Mania de Viajar
Por: Ana Cristina Reis
Fonte: O Globo - Caderno Ela, 1/11/14
Fonte: O Globo - Caderno Ela, 1/11/14
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Halifax, Canadá |
"Boa romaria faz quem em casa fica em paz" era um ditado que a família dizia e não cumpria. Viajávamos duas horas, ouvindo ópera - para prazer do meu pai e desespero de minhas irmãs -, porque alguém falara de um restaurante que tinha um coelho dos deuses. A jornada de duas horas e meia costumava ser para visitar os amigos Maísa e Roberto Salgado ou Candinha e Guilherme da Silveira nos fins de semana.
Três horas? Para chegar ao Rio, antes da nova BR-040.Vó Sarita, preocupadíssima que as netas, morando no mato, virassem umas selvagens, marcava balés, teatros, concertos, ópera (sim, minhas irmãs tiveram que assistir a "Aída", com direito a elefante no palco) e restaurantes. Mamãe, sempre generosa, nos levava para patinar no gelo na Lagoa. Sou do tempo do Tivoli Park!
Ushuaia, Argentina |
Duas vezes, meus pais trocaram as férias no Rio por outras aventuras. A primeira, na Disney. Fofa, minha irmã caçula, 5 anos na época, lágrimas nos olhos, puxou a manga do meu moleton:"Olha, é o Mickey. Sei que é de mentirinha, mas é o Mickey". A segunda, no Pantanal. Café da manhã com carne-seca e farofa, tardes pescando (um marasmo que cumpríamos com galhardia), noites de olho em jacarés.
Na adolescência, podíamos das palpites - eu pedi para conhecer a Academia Militar das Agulhas Negras (queria saber qual a sensação de ver tanto homem junto). Em seguida, Alfredo e Rosa ligaram da Califórnia, onde estavam com a filha de 2 anos: "Por que vocês não mandam a Ana Cristina para cá para fazer um curso de inglês?". Meus pais concordaram, sem imaginar que dois meses depois haveria outro
Central Park, New York |
A partir de então, faço de tudo para viajar durante as férias. "De novo?!" é sempre a reação da Fofa, nos últimos 30 anos, para as minhas andanças. Meu pai, aquele mesmo que dirigia duas horas para comer, reclama da frequência com que viajo, argumentando:
- Viajar é coisa de maluco, prevista pela Ciência. Se o sujeito é rico, vira turista e acumula milhagem. Se o sujeito é pobre, vira andarilho de beira de estrada.
Estocolmo, Suécia |
Apesar da crítica familiar, tudo ia bem até eu descobrir que existe palavra para descrever um impulso anormal de viajar: dromomania. Mania de andar, de fugir; automatismo ambulatório. Do grego drómos: corrida, lugar para correr. Sinônimo de neurose errante, é um termo que foi usado frequentemente pelo médico Magnus Hirschfeld para designar o desejo de escapar de... uma situação sexual desagradável! Essa obsessão que as pessoas têm por sexo...
Para Jung, gostar de viajar é indicação de uma insatisfação que leva à busca e à descoberta de novos horizontes. Seria a procura pela... mãe perdida. Mas existem os que se contrapõem a esta ideia - o gosto por viajar significaria uma fuga da mãe. Mamãe: I love you!
Madri, Espanha |
Conjectura por conjectura, queria saber o que os doutores Jung e Freud diriam de um poema de Baudelaire: "Aqueles cujos desejos têm a forma de nuvens/ E que sonham, como o recruta com o canhão,/ com vastas volúpias, mutantes, desconhecidas,, / Das quais o espírito humano jamais soube o nome./ Amargo saber o que nos dá a viagem!/ O mundo, hoje monótono e pequeno / Ontem, amanhã, sempre, nos faz ver a nossa imagem / Um oásis de horror num deserto de tédio!".
E foi antes da internet.
Por que estou falando disso? Porque viajo de férias em breve. Meu primeiro cruzeiro. O material explicativo dos sete dias de navio tem 40 páginas. Me aguardem.
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